quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

ALMA MINHA





No dique
está sentada e silenciosa.
Olho-a,
declinando na insistência
o impulso racional
de meu sopro de juízo.
Observo-a na praia deserta
com suas luzes quebradas,
desde a neblina espessa
que envolve meu horizonte.
Desde as gerações de lobos,
que uivam incessantes
proprietários das estepes.
Talvez morram suas íris de mel
ao chegar a madrugada,
talvez ressuscite
em uma brisa suave com aroma de erva.

Ninguém vê como chora em sua pálida tristeza
Ninguém a olha além das sete da tarde.

Ela não sabe que é domingo.
Nunca soube
de alvoradas nem de sombras.
O tempo faleceu
em seu rosto sem relógios,
e discrepa em suas auroras
uma abóbada de outono.
Viaja silenciosa
em um enigma de rituais.
Descola de um parêntese
um verbo nazareno
Balança-se no ângulo cinzento
de seu muro de existência.
E é um quartzo fissurado
esta alma que pendura
distante do meu peito
com sua perna atemporal
sobre as águas do rio.-


Walter Faila
Argentina
Tradução: Maria Lua

O RUÍDO DO SILENCIO




É verdade, no silêncio cresce o ruído, descem as esteiras da Lua,
naufragando nas ondas inquietas de um mar sinistro,
cheias de espumas e cabeças de areia,
colhendo palavras de uma praia adormecida.
Um órgão de algas interpreta as sereias,
enquanto a noite perturba o pranto insone,
das rochas afogadas de penumbras.
O cheiro a peles associa a sentença do esquecimento,
e a loucura domina a insensatez dos ventos despenteando os salgueiros.
Não te cales então, que no silêncio é mais violento o ruído,
e se escutam pensamentos que negamos,
realidades que mentimos, na alegria da luta por saber que estamos vivos.
Não detenhas os relógios dos meus montes,
não adormeças os duendes da ventura, deixa-os que saltem,
pelos outonos cinzentos, com aroma de alecrim e de jarilla.
Livre das filosóficas águas que emergem das pedras,
livre da liberdade que nos ata a cada dia.
A vida, meu amor, é um silêncio longo que grita a cada instante,
um suicídio do presente em armas de nostalgia
e a lembrança do futuro que entre dores e esperanças se pressente.
Aonde vais se partes? sempre o eco irá contigo;
sempre fugindo das vozes, seguirás sendo… palavra e grito.
Que me deixarás se te afastas,
deste espaço atemporal entre sórdidos caminhos?
Que levarás nas malas, ou em teus bolsos de fumaça e de sons?
Volta a pulsar como antes de ser metal !
submerge-te em minhas forjas de ventos desordenados
deixa-me moldar-te entre o bronze e o aço,
dos poucos sonhos que ainda me restam.
Não te vás na busca do nada que já tens,
segue afugentando os silêncios que explodem na vida.
Dá aos crepúsculos a tua voz desenhada entre algodões e arlequins.
Canta uma rima passageira, entoa a tua injúria e a tua desdita.
Não me deixes aqui, sozinho, imaginando na fonte ,
o murmúrio das águas, que caem comentando sua alegria.
O rugido dos homens quando têm sob seus pés,
a presa que dominam com o fuzil de suas cobiças.
É verdade,
o ruído faz mais ruído, quando o silêncio é mais silêncio,
e se estremecem os tímpanos da mente,
despedindo na sua agonia a corda de um violão
desgarrada em uma esquina do quarto.
As teclas de um piano umedecidas de abandono,
um concerto de pássaros , um coro de querubins,
e um rouxinol bêbado, dormindo caladamente nos quartos da alma.-
Não te cales!, meu amor,
deixa que tua voz acaricie a espécie e o planeta.
Os pombos devem seguir batendo suas asas de miragens,
em meus ninhos de ervas e de barro.

WALTER FAILA
Argentina
Tradução: Maria Lua

Revestida de musgos




Desapareceram!
Esconderam-se nos poros da Lua.
Foram-se com a areia abraçadas pelas ondas.
Colaram-se às notas da música,
Fugiram das salas de concertos.
E estavas ali sentada em uma pedra,
observando e escrevendo,
apontando cada imagem e substância.
Ninguém seria então desconhecido ou ignorado.
O amor pelo seu peso de sorriso e de nostalgia,
o corpo pela sua carne e pelos seus anos.
Agora… vazio,
torcidos os sonhos, polidos, inócuos,
não os vejo nem os sinto.
Evadiram-se pelos lábios sucessivos,
Desviaram-se pelas linhas de uns seios.
Transladaram-se em promessas corroídas,
Enferrujaram-se no lodo de meus tempos.
E segues ali, alma minha,
sentada em uma pedra,
revestida de musgos,
soluçando e escrevendo.

Walter Faila
Argentina
Tradução: Maria Lua

Recordações de domingo




Uma junta de paralelepípedos se dilata no beco,
sob o Sol implacável de Santiago.
Declinam dois gestos na borda de teus supercílios
buscando explicações
no silêncio irascível de meu crânio.

Não há máculas que apaguem teus sudários
Nem brasas que consumam meu nono cigarro.
Os loureiros já ficaram amarelos
e os choupos adormeceram sob a insônia do orvalho .

Estou dizendo que não voltam os leitos dos rios
a beijar os pés de sua mãe nas montanhas.
Que o vento não retorna depois que já se foi
nem os remos empurram duas vezes a mesma água.

Que não há aço que suportem as forjas
nem flores que perdurem com alento de broto.
Que remendando inventários nas folhas do outono
fiquei remexendo as roupas da infância.

Estou dizendo que hoje sinto a tua falta mais do que nunca
que é domingo de orfandade e de nostalgia.
Que arrumo cristaleiras na tranqüilidade das horas
e não há espaço que não tenha teu olhar.

Que sei muito bem que já te foste
Que a vida devoraste no jantar dos tempos.
Que não retornam as pétalas perdidas
nem voltam os rosais a crescer no inverno

Estou dizendo que sou um cão ferido
ladrando a uma mancha grosseira de teus luzeiros.-

Walter Faila